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O povo é a polícia e a polícia é povo, a polícia nada mais é que aqueles, pagos e uniformizados, para fazer aquilo que é dever de todos nós. Sir Robert Peel (Pai do policiamento moderno / 1828)

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE E AÇÕES AFIRMATIVAS

Nos séculos XVII e XVIII, a igualdade representava um dos pilares da democracia moderna e elemento essencial da noção de Justiça, tanto que os primeiros documentos constitucionais consagraram-na com eloqüência. Era concebida para abolir os privilégios característicos do regime feudal e para pôr fim às distinções e discriminações baseadas na linhagem, na posição social. Gradativamente, percebeu-se que a igualdade jurídica, formal – mera igualdade perante a lei - poderia pouco significar, pois não implicava e não conferia efetividade ao princípio, de modo, inclusive, a gerar a suspeita de que seria uma abstração que servia para encobrir as terríveis desigualdades de fortuna e condição material, no seio do povo.
Por força da constatação de que a idéia de neutralidade estatal ensejaria um formidável fracasso, especialmente nas sociedades que, por muito tempo, mantiveram certos grupos de pessoas em posição de inferioridade legitimada pela lei, não só se tornou imprescindível adotar uma concepção material, substancial do princípio da igualdade, na qual seriam equilibradas as desigualdades concretas da sociedade, fazendo com que as situações desiguais fossem tratadas de forma diferenciada, impedindo, assim, a perpetuação das diferenças existentes, mas também se verificou que não basta ao Estado se abster de discriminar, exigindo-se, outrossim, que o Estado atue positivamente, visando à redução das desigualdades sociais.
Deveras, o Direito Constitucional Emancipatório, comprometido até a raiz com a dignidade da pessoa humana, não deve construir um conceito estático e formal de igualdade; antes haverá de desafiar uma arquitetura compreensiva do princípio da igualdade na qual a finalidade principal seja, mediante desigualação positiva, promover a igualação jurídica efetiva.
Nesse intento de concretização da igualdade substancial, as ações afirmativas, também denominadas de discriminação positiva, apresentam-se como ousado e inovador experimento constitucional, concebido pelo Direito, no século XX, como instrumento de promoção da igualdade e de combate aos mais diversos meios discriminação.
O artigo 1o, III, da Constituição de 1988, aponta como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana. Já o artigo 3o, IV, estabelece, como um dos objetivos fundamentais da República, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Demais disso, o artigo 5o prevê que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.
Como se vê, o princípio da igualdade consagrado pela nossa Carta Constitucional encontra-se vinculado à obrigatoriedade da redução das desigualdades. Razão pela qual não basta ao Estado proibir a discriminação e abster-se de discriminar, deve, também, atuar positivamente para obter tal redução, até porque a mera vedação de tratamentos discriminatórios não garante a realização dos objetivos fundamentais da República constitucionalmente definidos.
Portanto, não há dúvida de que a Constituição de 1988 acolheu a transformação do princípio da igualdade, ou seja, a passagem de um conceito constitucional estático e negativo a um conceito dinâmico e positivo. Assim, o princípio constitucional da igualdade não representa mais um dever social negativo, mas sim uma obrigação positiva, cuja expressão democrática mais atualizada é a ação afirmativa.
As ações afirmativas - na terminologia européia discriminação positiva - surgiram nos EUA como políticas públicas e privadas que visavam não só concretizar o princípio da igualdade material, mas também reduzir e neutralizar os efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de nacionalidade.
Com efeito, a discriminação positiva consiste em propiciar tratamento preferencial a um grupo historicamente discriminado, impedindo que o princípio da igualdade formal, expresso em leis neutras que não consideram os fatores de natureza cultural e histórica, funcione na prática como mecanismo perpetuador da desigualdade.
Em síntese, trata-se de conferir tratamento preferencial, favorável àqueles que historicamente foram marginalizados, de sorte a inseri-los em um nível de competição similar ao daqueles que historicamente beneficiaram-se da sua exclusão. Por outro lado, essa modalidade de discriminação, de caráter redistributivo e restaurador, destinada a corrigir uma situação de desigualdade historicamente comprovada, justifica-se, constitucionalmente, por sua natureza temporária e pelos objetivos sociais por ela almejados.
Vale dizer, que as ações afirmativas devem ser medidas excepcionais, não habituais, bem como devem ser estabelecidos, nos programas concretizadores, os percentuais mínimos suficientes para garantir a igualação objetivada, com a ruptura dos preconceitos ou para, ao menos, propiciar, dentro de certo prazo, a superação da discriminação.
Em última análise, é inegável a relevância e a pertinência dessas ações para concretizar a igualdade substancial e reduzir as desigualdades; no entanto, é necessária cautela na realização de ações afirmativas, mediante, principalmente, a atribuição de natureza temporária e não habitual, impedindo, assim, que acarretem a instauração do extremo oposto, isto é, da discriminação inversa.

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